POETA ANTÔNIO FRANCISCO, 1º POTIGUAR NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LITERATURA E CORDEL

domingo, 28 de março de 2021

ANTÔNIO FRANCISCO TEIXEIRA DE MELO

 



ENTREVISTA - REVISTA INTER-LEGERE

REVISTA INTER-LEGERE: Quando foi que você cursou a Universidade e como esta colaborou para sua produção como cordelista?

ANTÔNIO FRANCISCO: Entre 1980 e 1984. Tudo que eu fiz foi atrasado. Fiz faculdade já casado, com 3 filhos, e achava bom porque eu ia de carona e voltava correndo. Nesse tempo era bom demais vir da FURN (atual Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN) correndo. A faculdade, assim como o cinema, os filmes colaboraram para a minha formação. Assisti muitos filmes. Mossoró naquela época tinha 6 cinemas e hoje não tem nenhum. Tinha os cinemas Pax, Caiçara, Cid, Jandaia eram os grandes cinemas da cidade. Tinha Ivo Golinha e o Centenário nos bairros. Hoje acredito que no Brasil quase não existe cinema nos bairros e nós tínhamos, à época dois cinemas no bairro Alto da Conceição. Era cheio todo dia. Lá em casa não tinha energia, mas eu já sabia que existia aspirador de pó, assistia 007, todas aquelas tecnologias. Inclusive Julio Werner e Victor Hugo e eu os conheci no cinema. Para escrever quanto mais visão de mundo é melhor: onde você está situado tem história e tem um pouco de Geografia. Naquela época, estava surgindo o Partido dos Trabalhadores (PT). Era muita efervescência na Universidade: Karl Marx, Lênin, Troitsky.

REVISTA INTER-LEGERE: Você acha que existe hoje uma aproximação entre arte e ciência?

ANTÔNIO FRANCISCO: Um dia desses, eu estava lendo que a ciência é inimiga da bíblia. Hoje já estão andando paralelas. Quer dizer, hoje você está trabalhando a ciência de uma maneira tão lúdica que já é quase arte. Eu fui agora a uma exposição de carro. A forma do carro é uma arte muito grande, uma ciência muito grande. Sempre a arte precisou da ciência e a ciência da arte. Uma para não ficar tão monótona e a outra para não ficar tão sem rumo. Mas tem hora que a arte supera tudo. Você dá um pulo mortal. É bonito demais. A ciência vai dizer que viu o mundo de vários ângulos. Uma matemática com o corpo, o mundo é assim. Num caminho só, a busca pela felicidade e pelo seu eu, até as igrejas são uma coisa só.

REVISTA INTER-LEGERE: Com a nova era da tecnológica, com a internet, o orkut, o msn, os blogs etc, que chegam mais fácil aos jovens, podemos pensar que ela vai abafar a literatura, a poesia, o cordel na sua aproximação com esta juventude?

ANTÔNIO FRANCISCO: Quando o rádio chegou ninguém acreditava mais no cordel. Colocaram o cordel no rádio e isso ajudou muito. Quando chegou a televisão, a internet, você olha e a pessoa diz: “Eu te conheço”. Daí você diz: “como?” Ele responde: “eu cliquei Antônio Francisco e entrei na sua comunidade”, na internet. Tem coisa que nem mesmo eu sabia de mim. Eu acredito que está auxiliando. E não é só ao cordel, mas à cultura nordestina, que é muito pungente, arraigada na gente sem ninguém saber. E as coisas na nossa cultura são muito fortes. Por exemplo: eu vi uma vez um rapaz fazendo um show e o povo quase dormindo e ele me perguntou “– O que é que eu faço?” Eu disse: “ Cante uma música de Luiz Gonzaga: tem tanta fogueira”. Então, o povo todo sabia que música era aquela. Pode pegar qualquer música de Luiz dos anos 1940 que os meninos cantam. Uma mulher fez o povo chorar na Bélgica, solando “Asa Branca” num piano. E o povo não sabe nem o que quer dizer “seca”. Você não vê uma pessoa dizer que não gosta de baião. Lógico que todas as culturas são iguais, mas mais diversificada do que a do Nordeste não existe. Cordel tem ritmo, tem encanto. Sabemos que depende de caso para caso. O homem já come de garfo, usa sapato, se isola da terra. É claro que a gente vai pagar um preço por isso. Mas você não pode frear. O cordel tem que se aliar a essas coisas. Bater de frente é pior. Eu não sou muito de mecânica, porque eu acho tão bom que tenho até medo de viciar, porque tem gente viciada. Quando eu comecei a viajar de ônibus em 1967, das 40 pessoas, eu via 18 ou 20 lendo. Hoje, de 40 pessoas tem 40 no celular. Um dia desses, eu vinha de Natal para cá, tinha uma mulher acabando o namoro ou o casamento pelo celular, dizendo: “- num dá certo e lá vai...” Eu disse: “-Valhame Deus! celular serve até para isso?”. Na relação com a tecnologia, o tempo é algo fundamental. Os índios tinham 24 horas, trabalhavam oito, brincavam oito e dormiam oito. As 24 horas ficaram para nós e nós nem trabalhamos oito, nem brincamos oito, nem dormimos oito. Se nós não administrarmos nosso tempo, a tecnologia não está valendo de nada.

REVISTA INTER-LEGERE: Você acredita que o trabalho da literatura de cordel, da cultura popular, está chegando às escolas?

ANTÔNIO FRANCISCO: Sim. Foi uma mudança tão grande! Nós estamos no meio dessa mudança e não percebemos. Antigamente eu não era conhecido. Hoje encontro um senhor na rua e ele diz: “Você é Antônio Francisco?” Eu tenho um menino que é louco pelos seus cordéis. Antes, um menino dizia que o avô gostava. Hoje, o avô diz que seu neto recita meus cordéis. Meu livro foi indicado no vestibular da UERN durante 3 anos consecutivos.

REVISTA INTER-LEGERE: Você recebeu o convite para assumir a décima quinta cadeira na Academia Brasileira de Literatura de Cordel, antes ocupada por Patativa do Assaré autor dos versos: “Sou um poeta dos matos/Vivo afastado dos meios/Minha rude lira canta/Casos bonitos e feios,/Eu canto meus sentimentos/E os sentimentos alheios.” Qual o significado dessa indicação para a sua vida, um menino nascido na Lagoa do Mato em Mossoró?

ANTÔNIO FRANCISCO: Foram duas mudanças: uma foi no cordel e outra na Presidência da República. Eu já estive duas vezes com o Presidente Lula. Ele deu espaço para cá e eu também mandei o cordel daqui para lá. Estive também com o Ministro da Cultura três vezes. Ele chega a Natal perguntando por mim. Quando eu fui eleito na Academia Brasileira de Cordel, o que eu gostei mais foi porque não teve nem um voto contra. O presidente da Academia, quando me viu, disse: “– Onde você estava escondido?” Não fui apadrinhado por ninguém. Ele se impressionou e disse: “ – A cadeira que tem para esse homem aqui é esta!”. Então, eu disse assim com meus versos:

A terra pode fazer

Mais de uma tentativa

 Rodar na ponta do eixo

 De ficar na carne viva

Ela se quebra e não faz

Outro igual a Patativa...

Todos os meus poemas escrevi de calça curta e chinelo. E é assim que eu ando durante toda a minha vida. Vai ter um encontro de cordel dia 18 de novembro de 2009 em Fortaleza/CE. Vou te dizer uma coisa: quando se encontra 10, 12, 20 cordelistas pode acreditar que não é monótono, como uma solenidade oficial. É um negócio espontâneo, à vontade. Vejo que a literatura de cordel ganhou mais espaço, porque antigamente cordel era um negócio de velho, ideia de atrasado. Hoje em dia Crispiniano Neto até lançou o Presidente Lula na literatura de cordel. Lançou em Brasília, Rio de Janeiro, Fortaleza, São Paulo, Aracaju, Recife, Limoeiro, em todo canto, e eu estava com ele.

REVISTA INTER-LEGERE: Nos seus cordéis: “Uma dose de amor,” “O sonho,” “Os animais têm razão,” “A casa que a fome mora perpassa uma esperança,” “Uma sede de justiça,” “Um desejo de um novo modo de viver,” percebemos uma atitude transformadora e solidária. Você acredita que um outro mundo é possível? Qual o caminho para alcançá-lo?

ANTÔNIO FRANCISCO: A resposta é universal. As pessoas contam a história como ela acontece e nós, os poetas, contamos o mundo que nós queremos. Digo lá em casa que isso é um pesadelo eu ter que sair com uma camisa de gola. E desse jeito todo mundo percebe, mas com o Rio Mossoró, ninguém se importa. Ele atravessa nossa cidade, um privilégio, uma água boa e ninguém, dá a isto a importância devida. Às vezes, tomo banho em casa e lembro: mas rapaz um negócio desse tão bom. Vejo a água entrar e sair da torneira bem limpinha e quando sai lá fora é toda suja. Daí penso: o nosso papel em relação com essa água? E se ela acabar? Será que não tem alguma coisa que o ser humano possa fazer? Tem gente que bota defeito numa árvore! Uma árvore não deixa a água bater no chão, segura a água e solta-a, dá fruta e tudo que você pensar. E quase não tem mais árvores nas cidades. Os índios se

abraçavam com as árvores procurando o coração delas, porque achavam que uma coisa tão grandiosa tivesse um coração batendo dentro, mas nós cortamos as árvores para fazer um guarda roupa, para guardar gravata. Meu cordel fala disso. Você corta as árvores e corta a cidade todinha. Você não lembra que tem plantas como Marmeleiro, Pereiro, Mufumbo. Não existe mais em nossa cidade uma árvore dessas; você procura a cidade toda e só tem plantas exóticas. Essa é a maneira como o ser humano age com as árvores e com nossa cultura também. Mas tanto nossas árvores como nossa cultura são fortes, se fixam. Essa caatinga passou milhões de anos aprendendo como se vive sem água, e o cordel aprendendo a lutar com o que vem contra.

REVISTA INTER-LEGERE: Nós vemos Antônio Francisco como um sujeito que tem uma teia de relações muito forte no Estado do Rio Grande do Norte e agora no Brasil. Em sua obra chega a homenagear pessoas, escreve para elas. Considera que tais relações fortalecem a sua projeção como poeta?

ANTÔNIO FRANCISCO: Quando eu fiz o meu cordel eu queria que os escritores daqui fossem lembrados também. Que fosse um livro de Mossoró na poesia de Antonio Francisco. Eu falei da Lagoa do Mato, do Rio Mossoró, da trajetória de Lampião. Foi Thiago de Melo que disse: “escritores universais cantam suas aldeias”. Quando escrevi esses cordéis, eu nem recitava porque pensava que era só para Mossoró e quando eu recitei o Rio Mossoró em Recife chorou gente. Porque o que aconteceu com eles acontece com a gente. Quantas lagoas estão aí aterradas? Eu fiz uma coisa que para mim ficou universal: acredito e nunca vou esquecer que eu me encontrei com a cultura nordestina. Gostava de cordel, mas assumi o papel de nordestino quando tinha 36 anos de idade. Percebi o quanto era grande José Lins do Rego, fui estudar a fundo Raquel de Queiroz, José de Alencar, até Eliseu Ventania (repentista de Mossoró), os daqui, os nossos. Parei um pouco os clássicos, os de fora e fiquei só com os autores do Nordeste. Fui para a caatinga olhar o Mufumbo, o Pinhão. Comecei a amar a caatinga não só quando está verdinha, mas também no seu estado letárgico, esperando cair um pingo de água para explodir tudo em vida. E os animais: preá, tatu, mocó, calango no cenário daquela caatinga. Esse índio, esse negro, essa diversificação de pessoas. Chega ao Pernambuco é holandês, no Recife é francês, o Rio Grande do Norte, o potiguar. Quando chega ao Ceará é totalmente diferente. Parece que fizeram 9 países cada um melhor do que o outro. Não podemos deixar isso nunca de lado. A cultura “é a alma das pessoas”, é vida, é poesia. O encanto do cordel é isso: quer dizer versos cantados, é ritmo e rima, é tudo. Escutem estes:

Antes de ontem eu sonhei

 Que o mundo tinha caído

Na palma da minha mão

Todo quebrado e moído

Pedindo por favor

 Para ser reconstruído

Isso tudo não pode acabar assim de uma hora para outra! Tem que colocar muita banda, muito forró ruim para a gente resistir. Pode colocar o que quiser.

REVISTA INTER-LEGERE: Para encerrar nossa entrevista, abrimos um espaço para você falar algo mais, alguma coisa de seu interesse pessoal?

ANTÔNIO FRANCISCO: Existe um projeto “Rua Viva” em São Carlos/SP. Este consiste em plantar árvores nas ruas. Mas antes de plantar, os participantes vão educar as pessoas para que gostem da planta. Porque você pode colocar planta na rua e se a pessoa não gostar dela, não adianta. Para mim não existe educação sem amor. Já pensou você ser um professor e não gostar? O segredo está em você gostar do que faz. É interessante demais; quando a pessoa gosta de alguma coisa que escrevo é porque havia algo nela que já a fazia propensa a gostar, é muito parecido com o que estão fazendo no projeto “Rua Viva” e nós precisamos de quem faça isso e de quem receba. Tem que ter os dois lados, como eu que escrevo e vocês para gostarem do que faço. E quando escrevo, eu gosto. Escrever é você pensar. Tudo que eu fiz na minha vida eu gostei de fazer, gosto da Lagoa do Mato mais que qualquer outro bairro do mundo. Ali está minha raiz

REVISTA INTER-LEGERE: Em nome da UFRN e do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais agradecemos por sua colaboração. Muito Obrigado!

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